O tempo do Advento tem a força de nos motivar para uma solidariedade que deixe o campo de gestos de caridade eventuais para entrar numa dinâmica de que nosso existir deva estar em permanente estado de caridade.

Somos feitos, às vezes, de grandes desejos, mas de pequenas concretizações; de longos sonhos, mas de breves vigílias; de infinitas aspirações, mas de limitadas realizações. Algumas vezes, nos perdemos nos discursos dos desejos grandes, dos sonhos longos e das aspirações infinitas. Outras vezes, não ficamos satisfeitos com as concretizações pequenas, as vigílias breves e as realizações limitadas.
A solidariedade nos convida ao estado permanente de caridade, que vai para além do presente e de um conjunto de pequenas ações que tecem o cotidiano de nossa vida.

A fé cristã está continuamente a despertar-nos para a solidariedade. Há momentos privilegiados para isso. O tempo litúrgico do Advento fala bem alto desse sentimento solidário tão humano e cristão.

Conta-se que Dom Helder Câmara, antes de entregar-se às inúmeras noites de oração, gostava de ler atentamente os jornais e colher neles os fatos e sofrimentos da humanidade para, solidário, apresentá-los a Deus.

Às vezes, nós vicentinos, esquecemos a força da solidariedade da oração e do jejum. Ela nos vem da sensibilidade dos sofrimentos das pessoas e da certeza de que devemos deixar “Deus agir! A Providência não nos faltará jamais, enquanto não faltarmos a seu serviço” (SV IV,282).

Por isso que o Advento tem o sentido do silêncio, de recolhimento e de espera na oração. Em vez de fechar-nos no pequeno mundo dos problemas pessoais e familiares, a oração leva-nos para além dele e assim alcança tantos irmãos e irmãs necessitados de apoio.

Além dessa solidariedade diante de Deus, devemos buscar sempre outras formas de atitudes solidárias. Frequentemente, ouvimos ou presenciamos tantas situações de sofrimento das pessoas, sejam nas visitas às famílias assistidas, sejam na realidade onde estamos inseridos, sejam por meio dos noticiários. Sempre nos sentimos sensibilizados a fazer gestos de solidariedade.

Advento fala ainda mais em solidariedade: quantas Conferências Vicentinas promovem gestos simbólicos de arrecadar alimentos para que, ao menos no dia de Natal, nenhuma família passe fome? Sabemos que a fome volta a cada dia. E, por isso, passado o Natal, as pessoas tornarão a senti-la. Entretanto, o gesto deve servir para mostrar-nos que algo permanente deve ser feito na luta definitiva contra o flagelo terrível da miséria.

Betinho, sociólogo,  que se dedicou ao projeto “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, sempre repetia: “A fome é imoral”. É, sem dúvida, a realidade mais imoral que existe em nosso Brasil e pelo mundo afora. Sempre por ocasião das eleições, os noticiários mostram cenas de fome e miséria em determinadas regiões. Passados os dias, cai sobre tal realidade enorme silêncio.

Precisamos viver profundamente a cultura da solidariedade. Quando falamos de cultura, entendemos essa teia de símbolos e sentidos com que representamos a vida. Ela perpassa nossas crenças e orientações de conduta na convivência familiar e comunitária. Cria técnicas e estratégias de reprodução do trabalho e da vida. Ora, se a solidariedade se faz cultura, então os nossos olhos verão todas as coisas a partir da solidariedade. Nossas ações serão alimentadas por esse espírito solidário, provocando na sociedade uma mudança de estruturas.

Só a solidariedade consegue reverter o ciclo de morte e de solidão que o egoísmo e individualismo da sociedade capitalista vêm preocupantemente gestando. Só ela rompe o ciclo do descaso, do indiferentismo e do acúmulo por parte de uma minoria, em relação a tantos pobres e carentes. Só a solidariedade consegue trazer um pouco de verdadeira paz e alegria profunda àqueles que estão numa situação de sofrimento, abandono, exclusão, discriminação…

Que o Advento, como tempo de espera do grande evento da história humana: a visita do nosso Deus e Pai pelo nascimento de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente se torne a grande graça de Deus para nós. A percepção desta graça leva a nós cristãos, mais do que festejar, viver a cultura da solidariedade com os empobrecidos!

Padre Alexandre Nahass Franco (Congregação da Missão-CM)

Assessor Espiritual do CNB

 

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