Vicentina militante na cracolândia morre e deixa legado de caridade

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A Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP), juntamente com os demais Ramos da Família Vicentina, lamenta a morte da Irmã Rosina Azevedo (Irmã Vicentina de Gysegem). Ela foi vítima de um câncer no intestino. Veio a óbito no último sábado (21).

O trabalho de Irmã Rosina é nacionalmente conhecido. Aos 92 anos, diariamente, ela servia refeições para moradores de rua da cidade de São Paulo na região da cracolândia.

A consagrada foi capa da edição março/abril da revista Boletim Brasileiro de 2013; mais recente, concedeu uma entrevista exclusiva à equipe de reportagem do periódico, pulicada na edição maio/junho de 2017, que você tem a oportunidade de ler na íntegra a seguir:

NÃO EXISTE IDADE PARA LUTAR PELOS POBRES

 Aos 91 anos (era na idade da consagrada à época da entrevista), Irmã Rosina Azevedo trabalha diariamente para que mais de 600 moradores de rua tenham uma alimentação digna. Ela é da Ordem das Irmãs Vicentinas de Gysegem, também conhecida como ‘Servas dos Pobres’. A instituição iniciou as atividades na Bélgica em 1818 e está no Brasil desde 1896, integrando a Família Vicentina (formada por Ramos criados por e/ou inspirados em São Vicente de Paulo).

 

 A clausura nunca foi o destino da Irmã Rosina Azevedo. Ela percebeu desde nova que havia muito o que ser feito fora das paredes dos conventos. Diariamente, milhares de pessoas padeciam vítimas da fome, do descaso público, da falta de moradia e dignidade. Foi nesse cenário de abandono e pobreza que ela decidiu fazer do atendimento aos Pobres o apostolado dela. Tornou-se militante em favor, principalmente, dos moradores de rua.

Ao lado de outras Irmãs Vicentinas de Gysegem, criou no centro de São Paulo (SP) um local de acolhimento, onde os moradores de rua recebem alimentação, roupas e assistência social de segunda a sábado. O trabalho é mantido por doações.

Irmã Rosina – que nasceu Maria Aparecida Azevedo e precisou receber uma nova denominação quando entrou na Congregação, por isso escolheu o nome da mãe de uma amiga que havia morrido – afirma que aos 91 anos (70 deles trabalhando com moradores de rua) sente-se feliz e motivada em estar ao lado dos Pobres. Nunca fica doente e faz de tudo dentro do centro de acolhimento: desde a captação de recursos à preparação dos alimentos e, inclusive, o atendimento face a face com os moradores de rua.

Para conhecer mais sobre esta exímia vicentina, confira a entrevista nas páginas seguintes.

 BB – Quem é a Irmã Rosina?

Irmã Rosina – Sou uma Irmã da Congregação das Irmãs de São Vicente de Paulo de Gysegem, Congregação de Direito Pontifício, tendo como origem a Bélgica. Meu pai Francisco Magalhães Azevedo era farmacêutico e minha mãe Benvinda Olga Oliveira Azevedo era dona de casa. Ambos católicos, porém, minha mãe de comunhão diária. Quando nasci, meus pais moravam em São Paulo, mas minha mãe foi para a casa de meus avós, em Mogi das Cruzes, onde nasci, sendo a terceira filha do casal. Ainda na minha primeira infância, meus pais foram morar em Maracaí, Estado de São Paulo, e aí iniciei minha vida cristã e meus estudos. Após alguns anos, nos mudamos para Cruzália, onde meu pai foi nomeado juiz de paz do local. Depois, mudamo-nos para Assis (SP).  Após a morte de meu pai, voltamos para São Paulo, com meus oito irmãos, sendo a mais velha com 17 anos e a menor com 5 meses. Sofremos muito com a perda de um pai tão bondoso. Enquanto minha mãe se estabelecia em São Paulo, fiquei morando com minha tia, e frequentava o Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Vila Pompeia. As Irmãs, então, queriam que eu entrasse na Congregação das Missionárias Zeladoras do Coração de Jesus. Não quis, pois elas eram educadoras e eu queria ser enfermeira e trabalhar com os Pobres. Foi nessa altura, quando estava com 15 anos, e uma das minhas irmãs com 13 anos, ambas fomos para um Colégio Interno pago pelas minhas tias devido à situação difícil, pois todos os bens que possuíamos caíram em inventário e todos nós éramos menores. Após três anos de convivência com as Irmãs, pedi para entrar na Congregação das Servas dos Pobres, como somos chamadas. Desde meus 12 anos de idade, pensava em ser religiosa, pois tinha uma tia que também foi religiosa e eu tinha uma grande propensão para a vida consagrada.

BB – O que a levou a escolher as Irmãs Vicentinas de Gysegem?

Irmã Rosina – Foi uma das grandes graças que recebi em minha vida! Tive a oportunidade para entrar na Congregação das Missionárias do Coração de Jesus, onde me encontrava como estudante; meu confessor gostaria que entrasse na Congregação Cameliana, mas minha opção foi sempre poder desenvolver minha missão no meio dos Pobres e, foi então, que minha tia e madrinha me levou para conhecer algumas obras de minha Congregação. Foi aí que me encontrei…

 BB – Em algum momento da vida, a senhora se arrependeu de sua      escolha?       

Irmã Rosina – Desde a primeira formação que me foi oferecida na Congregação, já me sentia membro e agradecida constantemente à Divina Providência pela graça concedida. Nunca me arrependi da decisão tomada, embora dificuldades não faltassem, sobretudo em situações difíceis na família, a exemplo do falecimento de meu pai.

BB – A senhora tem hoje 91 anos. E 72 anos deles foram dedicados aos Pobres. O que recebe como retribuição por passar boa parte de sua vida servindo a quem precisa?

Irmã Rosina – De fato, tenho 91 anos de idade e 72 deles tive a graça de sempre lutar em favor dos empobrecidos, embora alguns anos tenha trabalhado em colégios pagos, a minha Congregação sempre mesclou o Pobre com o rico. Para mim nunca faltou a compreensão de minhas superioras em atender ao que eu solicitava e solicito em favor do carente. Sou uma pessoa totalmente realizada em minha vida religiosa e sei que servindo ao Pobre estou servindo o meu ‘Amado’ (refere-se a Deus), que é meu e eu sou d’Ele.

BB – E qual é o segredo para aos 91 anos manter-se disposta e animada ao trabalho?

Irmã Rosina – A Graça Divina nunca me faltou em vida e nossos colaboradores, voluntários e amigos estão dispostos a ajudar, e eu digo sempre: vocês são os que me empurram para prosseguir avante. Deus é meu tudo! Deus nunca falhou comigo, mas procuro também estar atenta em responder aos Seus apelos.

 BB – Qual ensinamento a senhora espera deixar para a posteridade?

Irmã Rosina – Que os olhares da humanidade se voltem para os oprimidos, para todos que estão mergulhados na opressão, no sofrimento, os que não têm voz nem vez, sobretudo aqueles que têm deixado suas pátrias e esmolam um pouco de paz em outro país.

BB – Os moradores de rua têm sido atualmente o público-alvo de seus trabalhos. O que eles podem ensinar para toda a sociedade?

Irmã Rosina – Que eles, como seres humanos, nasceram em um lar, em uma família e, que hoje, por circunstâncias diversas, estão onde estão.  Nunca fui desrespeitada por nenhum deles, pelo contrário, me respeitam muito e respondem aos apelos que faço.

 BB – És uma discípula de São Vicente de Paulo. Acredita que se ele estivesse vivo, se sentiria orgulhoso por ver que o legado dele se faz presente na senhora?

Irmã Rosina – Não posso afirmar isso, pois estou longe de fazer o que o ‘Pai da Caridade’ fazia. Só sei que me sinto orgulhosa de ser chamada vicentina, ‘Serva dos Pobres’.

BB – Comemoram-se em 2017 os ‘400 anos do Carisma Vicentino. O foco das celebrações é o ‘estrangeiro’. A palavra estrangeiro é geralmente atribuída a quem deixa seu país, no entanto, o significado é bem mais amplo, e envolve todas as pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas. Neste contexto, pode-se afirmar que os moradores de rua também são estrangeiros?

Irmã Rosina – Os moradores de rua não tendo referência são considerados verdadeiramente estrangeiros, pois lhe são negados todo o necessário para serem considerados cidadãos.

 BB – O que os vicentinos podem fazer por eles?

Irmã Rosina – Admiro todos os que se voltam ao trabalho vicentino, porém acho que deveria haver mais audácia, mais generosidade, pois, se São Vicente estivesse em nossas grandes cidades, o Pobre não seria tão desprezado como está. Acho necessário abrir novas frentes de atendimento, sobretudo aos idosos e aos mais jovens, frentes que os promovam e lhes proporcionem trabalho digno.

BB – A SSVP também atua em diversos bolsões de miséria. Deixe uma mensagem de incentivo ao trabalho dos confrades e consócias.

Irmã Rosina – Queridos (as) companheiros (as) destinados (as) por Deus para irem ao encontro de seus ‘Membros Sofredores’, entreguemo-nos a Eles e Os veremos para que as bênçãos divinas caiam em abundância para respondermos diariamente aos apelos divinos.

 

Fonte: Revista Boletim Brasileiro

 

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