“Comemorar os anos, a experiência e, acima de tudo, o fato de estar viva em meio a uma pandemia mundial.” Esses são os motivos de Cleonice Ferreira do Nascimento, de 86 anos, que há cinco anos é assistida pela SSVP, celebrar hoje o Dia do Idoso.
Dona Cléo, como é carinhosamente chamada, mora no Lar Bussocaba, em Osasco (São Paulo) e é extremamente sensível. Sentiu na pele, como muitos idosos assistidos, sua vida e rotina mudarem por conta da Covid-19, pegou o vírus, ficou isolada por 26 dias, resistiu e persistiu, amparada por uma fé inabalável e a vontade de fazer o bem e ver a vida voltar ao normal. Dona Cléo, era uma das idosas do Lar que tinha autorização para sair antes da pandemia chegar. Ela usava esse “passe livre” para praticar a caridade e levava roupinhas confeccionadas por ela para crianças no hospital de câncer da cidade. Hoje a caixinha de roupinhas está cheia, esperando que ela possa voltar a visitar o hospital. “A pandemia chegou e cortou nossos passeios, viagens, mudou minha rotina. Não posso mais ir ao hospital levar os casaquinhos”, conta ela, que faz fuxico, crochê, costura roupinhas de bebês e artesanatos (no dia da entrevista estava usando um colar de miçangas feito por ela).
Uma das grandes paixões de Dona Cléo é fazer flores em tecido e em fuxico. A flor preferida? O girassol, segundo ela, a flor da amizade. A vida agitada sempre fez parte da sua rotina. Antes de morar no Lar, ela trabalhou em gráfica, como ambulante, em bar, banca de jornal. “Sempre acordei cedo e aqui não é diferente. Não gosto de ficar parada e a pandemia atrapalhou muito. Gosto do movimento. Vivo na sala de costura. Foi muito difícil no começo, peguei a Covid, fiquei 26 dias isolada mesmo. Graças a Deus me curei, tenho Ele no meu coração e foi o que me manteve, mas acredito que está passando.”, afirma a idosa.
Ao ser questionada da primeira coisa que quer fazer quando a pandemia acabar, ela é rápida na resposta: tomar um banho de mar em Santos para tirar as energias ruins trazidas com a Covid-19. Sobre ser idosa em tempos tão difíceis, Dona Cléo dá uma aula de vida: “Temos que comemorar sim o Dia do Idoso. É bom envelhecer. Tem a parte chata, que o corpo não responde mais do mesmo jeito da mocidade, mas a gente ganha experiência, aprende. Aproveito muito a vida, não posso reclamar de nada”, finaliza.
Arrasta pé
No mesmo Lar de Osasco, vive Penha Alves da Conceição, de 62 anos. Apesar da pouca idade, ela chegou aos lares vicentinos muito cedo, há 12 anos, por ser na época a acompanhante de sua tia e ambas precisarem da ajuda da SSVP. Dona Penha é uma entusiasta. Prestativa, ela ajuda, por vontade própria, na lavanderia do Lar: recolhe a roupa para lavar de outros assistidos e as leva para o roupeiro ou os quartos depois de limpa.
Com um sorriso no rosto e uma serenidade que poucos têm em um momento tão delicado, Dona Penha já sabe qual será a primeira coisa que fará quando a pandemia passar e ela puder voltar aos passeios: sair para dançar. “Adoro dançar. Acompanho dia a dia as notícias para ver se a pandemia está passando, se os casos estão diminuindo, para saber se está chegando o dia que voltaremos a passear. Vou levantar poeira”, diz rindo.
Nos momentos difíceis, ela se apegou a Deus. “Só ele para nos proteger. Eu agradeço porque eu e meus amigos do Lar estamos aqui, enquanto sabemos que tem tanta gente morrendo no mundo. Só por Ele”, determina.
Sobre como a pandemia afetou seu dia a dia, ela, assim como Dona Cléo, sente falta dos passeios, mas ela lembra outra coisa que os idosos assistidos perderam com a chegada do vírus: as visitas. “Não podemos mais receber nossas visitas, as pessoas que vinham conversar. A pandemia me ensinou a valorizar não só as visitas, mas todas aquelas outras coisas que quando a gente tem nem sempre dá valor, e que quando falta, a gente quer de volta”, concluiu.
Mudanças no Lar
O Lar Bussocaba é um dos vários da SSVP que teve que se adaptar há mais de dois anos, quando a Covid-19 chegou ao Brasil. Segundo Letícia Raviere da Luz, administradora do Lar, muitas foram as mudanças nestes tempos. “A pandemia nos fez olhar um pouco mais uns para os outros, para nós mesmos, com mais atenção e mais cuidado. Fez com que nós atentássemos a cada detalhe, em prol de um cuidar ainda mais cauteloso com todos os idosos do Lar”.
De acordo com ela, todas as ações e procedimentos adotados eram conversados com os colaboradores e medidas práticas foram tomadas. “Os funcionários que pegam condução, chegam e trocam as vestes em um banheiro externo, a máscara N95 foi adotada, avental. Criamos um quarto de isolamento para qualquer idoso que apresentasse sintoma mesmo antes de fazer o exame. Os colaboradores também são monitorados e a qualquer sinal de sintoma, são afastados. Tomamos muito cuidado, seguimos os protocolos até hoje. Temos 44 idosos e desde agosto do ano passado não temos nenhum caso”, conta.
A administradora explica que as adaptações mexeram com o emocional de muitos idosos, principalmente porque as missas semanais foram canceladas. “Eles reclamam, sentem falta. Temos vários relatos, inclusive de uma idosa que na Terapia Ocupacional se queixou da falta de rezar na capela. Então, agora, antes do atendimento, a terapeuta vai com ela na capela, ela reza um Pai Nossa e 10 Aves Maria, faz seu momento de oração e assim, ela sacia um pouco essa vontade”, conta. E isso vem sendo feito no Lar com outros idosos, para que eles consigam viver o mais parecido com os tempos normais, apesar de todas as restrições.
A festa em comemoração ao Dia do Idoso em Osasco vai ser realizada, dentro do permitido pelas normas sanitárias. “Antes tínhamos uma empresa parceira, que os levava a um local e dava a festa. Agora, a festa é aqui no Lar, mas não vamos deixar de comemorar o dia deles e a vida”, define Letícia.
Criatividade
Em Jundiaí (São Paulo), no Lar Cidade Vicentina Frederico Ozanam, a falta das visitas e os outros reflexos da Covid-19 também causaram tristeza e uma fase de adaptação difícil. Segundo o diretor voluntário José Antônio Siscari, a falta de visitas internas e externas os tornou mais próximos e criativos. “Várias atividades internas foram elaboradas que supriram as demais. A adaptação no começo foi traumática. Vários colaboradores estavam com medo e chegaram até a pedir para que fossem liberados, mas com o cumprimento de todos os protocolos da vigilância sanitária o medo foi dando lugar à segurança e tudo correu muito bem”, explica.
Apesar de todas as mudanças, a esperança nunca deixou de tomar conta do Lar. “Os idosos com vida ativa são pessoas informadas, eles veem televisão e assistem jornais. Portanto, eles estavam bem informados de que um dia teria vacina e tudo voltaria à normalidade. Todos estão tranquilos e esperançosos que um dia tudo voltará ao normal”, conta Siscari.
O valor da empatia
Se a pandemia trouxe alguma lição para os lares da SSVP, a empatia pode ter sido a maior delas. Apesar de já ser prática nos lares, colaboradores, administradores e idosos viveram mais do que nunca esse sentimento no dia a dia desde que a Covid-19 chegou ao Brasil. No Lar Vicentino de São Sebastião (São Paulo), a presidente Sandra Tavares dos Santos Luporini conta casos em que o amor e o olhar para o próximo ficou ainda mais evidente.
No início da pandemia, o idoso Severino testou positivo para o novo coronavírus, apesar de assintomático, o que gerou, num primeiro momento, grande preocupação entre os funcionários quanto aos possíveis riscos. “A prontidão da equipe técnica no deslocamento após a comunicação noturna do Departamento de Saúde da Vigilância Sanitária, nos surpreendeu. Vencendo o medo e a insegurança, eles se envolverem diretamente na tarefa de higienização total do prédio e na criação emergencial de protocolos visando a proteção dos demais residentes”, lembra.
Os funcionários que sempre estão ali para atender a SSVP tiveram ajuda importante da entidade neste momento. “Uma funcionária, com quadro de depressão necessitou de acompanhamento psicológico utilizando o serviço telefônico da SSVP, conhecida por “Rede de Afeto”. Pensando nos demais funcionários, a psicóloga da ILPI, em parceria com a equipe interdisciplinar, realizou atendimentos individuais abordando a importância da Saúde Mental na Pandemia e esses dados foram computados e apresentados na palestra da CIPA /Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, quantificando em índices o quadro real e possibilitando orientações em tempo hábil . Essa iniciativa permitiu que os funcionários, certos do sigilo, pudessem extravasar seus sentimentos e sentirem o amparo e acolhimento”, conta.
Segundo a presidente, o maior desafio continua sendo a suspensão das visitas, inclusive dos familiares, que foram substituídas por videochamadas. “Houve impacto na rotina diária da casa que recebia diversos grupos de pessoas/voluntários e dos idosos que tiveram seus frequentes passeios e viagens cancelados. O trabalho permanente de conscientização dos idosos quanto aos riscos do Covid-19 tem resultado na aceitação das medidas de prevenção e obediência aos protocolos e exigido, cada vez mais, o envolvimento participativo dos funcionários em atividades internas que promovem a necessária interação social dos idosos, como rezar o terço, festas regionais, aniversariantes do mês, dia das mães e dos pais, etc.”, explica.
No Lar, duas histórias de assistidos chamam a atenção. Apesar da Pandemia, o idoso José Bispo Amaral, 65 anos, alimentava a esperança de voltar a viver fora da instituição e realizou seu sonho, alugando uma casa pequena e mobiliando com o necessário para viver com dignidade. “Tivemos ainda, um resgate de vínculo afetivo em que Sra. Dalva, irmã da residente Dominga da Conceição Gomes dos Santos, de 64 anos, mostrando-se inconformada com a impossibilidade de contato físico, resolveu acolhê-la em sua residência, pois era comum, a idosa passar alguns dias em sua casa antes da pandemia”, conta a presidente. É importante esclarecer que nos dois casos, a equipe interdisciplinar avaliou previamente as condições e acompanhou os idosos nos desligamentos assegurando seus direitos ,conforme estabelecido no Estatuto do Idoso. “E, porque não, falar da felicidade e brilho estampados nós?”, termina Sandra, destacando a importância de se reconhecer a necessidade de eliminar diferenças e unir nossos esforços para superar o medo exacerbado da doença, suas complicações.